segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Terra dos sonhos



O teu sorriso devorava encantadoramente os meus pensamentos, contrastando e, por isso, enaltecendo, o som melancólico da música Send in the clowns, na voz inconfundível de Carmem MacRae, enquanto eu dirigia embevecida, em direção ao nosso apartamento. Será esse sorriso que ele me dará como grata recompensa quando eu lhe mostrar a grande surpresa da noite: As nossas passagens para a Terra dos Sonhos, Paris! A nossa primeira viagem depois de dois anos de casados. Lá, na terra mágica, ele me fará um filho, Vinícius, ou uma filha, Diadorim... Pensei, deixando-me embriagar, sem rédeas, pelo encanto da tua bela imagem que me guiava. Ah, o teu sorriso... A minha ligação com o divino. Nele, se acham contidas todas as leis do amor, todo o poder dos sentidos... Ele estava tão presente, tão luminoso em meus pensamentos, que não enxerguei o carro a minha frente... Escuro.
Perdi os movimentos do corpo. Deitada numa cama, em tempo integral, passei a viver sob os cuidados de terceiros. Nos três primeiros meses, chorávamos juntos, todas as noites... Um dia, acordei com um suave beijo na testa. Abri os olhos devagar e vi o teu rosto. As mesmas feições, os mesmos gestos, o mesmo nome... Mas não era você! Procurei algo humano em teu olhar, piedade talvez, mas foi um grande vazio que encontrei. Depois de um longo e pesado silêncio, você chorou... E o teu choro confirmou o que eu já sabia... Você lançou um olhar vago pelos arredores do quarto, deu-me as costas e partiu. Tentei gritar, mas a voz me escapava. Incapaz de realizar o menor gesto de espanto e de dor, paralisada, enrijecida, recebi a tua ingratidão e o escárnio do destino. O vazio que você deixou encheu o quarto e tornou-se o meu universo.
Um ano se passou. O meu coração transformou a saudade, o horror do nada, numa aliada esperança. Fazendo uso das sete cores, dá vida ao passado que chega até a mim em forma de sonhos... Sonhos de amor, sonhos de loucura... Neles, encontro o teu sorriso, hoje, o meu escudo contra a realidade... Estamos em Paris... Todas as noites fazemos um filho... E o fim transcende o nada e torna-se começo.
Sei da existência de amores nobres. Eles correm pela vida. Raramente coincidem. Vivem uma série de enganos e morrem com o seu próprio veneno! Estou morta. O meu coração, louco, rejeita a minha condição. Fiel ao seu sentimento, tentando tornar perfeito o imperfeito, alimenta-se de sonhos, das lembranças do gosto das maçãs e, com grande pressa, continua batendo...




Cláudia Magalhães

Nenhum comentário: