domingo, 27 de julho de 2008

Anistia Geral



Perdôo meu patrão ignorante,
Perdôo minha mulher ingrata,
Perdôo meu salário mínimo,
Perdôo meus clientes chatos e abusados
Perdôo meus amigos idiotas.
Perdôo a televisão brasileira
Culpada pelo atraso e alienação do povão,
Perdôo os policiais brutos e analfabetos.




Perdôo os professores que aceitam
Ganhar menos que um catador de lixo.
Perdôo o povo brasileiro que suja as ruas
E entope os bueiros com seu próprio lixo.
Perdôo nossos políticos corruptos,
Perdôo as forças armadas e alienadas,
Perdôo os padres que fizeram churrasco
De nossos índios.




Perdôo a igreja católica pela sua ignorância
Das escrituras sagradas,
E pelas mentiras ditas nas minhas aulas
De história do Brasil.
Perdôo minha mãe que não sabe minha cor preferida,
Perdôo as ignorâncias e preconceitos de meu pai.
E perdôo os que não entenderão meu perdão.
Amém.





Ronne Grey
Violência policial, a tragédia anunciada
A PM não soube exercer a sua função de garantir a segurança da população, deu contribuição decisiva para criar o conflito e depois agiu com extrema truculência e covardia.
Uma manifestação de 150 pessoas contra o fascismo terminou ao fim da tarde do 25 de Abril com a intervenção violenta da polícia, no centro de Lisboa. Onze jovens foram detidos e praticamente todos apresentavam hematomas no corpo. Ouvidos no Tribunal de Instrução Criminal, saíram todos com termo de identidade e residência. A polícia emitiu um comunicado em que classificou a manifestação de "não autorizada" e acusa os manifestantes de vandalismo, tendo apreendido diversa simbologia "anarco-libertária".
Como Nossos Pais
Não quero lhe falar meu grande amor
Das coisas que aprendi nos discos.
Quero lhe contar como eu vivi
E tudo que aconteceu comigo.
Viver é melhor que sonhar
Eu sei que o amor é uma coisa boa, mas também sei
Que qualquer canto é menor que a vida de qualquer pessoa
Por isso cuidado meu bem há perigo na esquina
Eles venceram e o sinal está fechado pra nós que somos jovens
Para abraçar seu irmão e beijar sua menina, na rua
É que se fez o seu braço, o seu lábio, e a sua voz
Você me pergunta pela minha paixão
Digo que estou encantado com uma nova invenção
Eu vou ficar nesta cidade, não vou voltar pro sertão
Pois vejo vir vindo no vento, o cheiro da nova estação
Eu sei de tudo na ferida viva do meu coração
Já faz tempo eu vi você na rua, cabelo ao vento gente jovem reunida
Na parede da memória essa lembrança é o quadro que dói mais
Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo o que fizemos
Ainda somos os mesmos e vivemos, ainda somos os mesmos e vivemos
como nossos pais
Nossos ídolos ainda são os mesmos
E as aparências não enganam não. Você diz que depois deles
Não apareceu mais ninguém. Você pode até dizer
Que eu estou por fora ou então que eu estou inventando
Mas é você que ama o passado e que não vê
É você que é ama o passado e que não vê que o novo sempre vem
Hoje eu sei que quem me deu a idéia
De uma nova consciência e juventude, ta em casa guardado por Deus
Contando vil metal
Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo, tudo, tudo o que fizemos
Nós somos os mesmos que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais.

(Belchior)

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Elegia



Tudo perdi no retorno,
tudo ficou lá no mar:
arrancaram-me das ondas
onde nasci a vagar,
desmancharam meus caminhos

- os inventados no mar:
depois, secaram meus braços
para eu não mais velejar.



Meus pensamentos de espumas,
meus peixes e meu luar,
de tudo fui despojada
(até das fúrias do mar)

porque já não sou areias,
areias soltas de mar.
Transformaram-me em desertos,
ouço meus dedos gritando
vejo-me rouca de sede
das leves águas do mar.



Nem descubro mais caminhos,
já nem sei também remar:
morreram meus marinheiros,
minha alma, deixei no mar.



Pudessem meus olhos vagos
ser ostras, rochas, luar,
ficariam como as algas
morando sempre no mar.



Que amargura em ser desertos!
Meu rosto a queimar, queimar,
Meus olhos se desmanchando
- roubados foram do mar.
No infinito me consumo:
acaba-se o pensamento.
No navegante que fui
sinto a vida se calar.



Meus antigos horizontes,
navios meus destroçados,
meus mares de navegar,
levai-me desses desertos,
deitai-me nas ondas mansas,
plantai meu corpo no mar.
Lá, viverei como as brisas.
Lá, serei pura como o ar.
Nunca serei nessas terras,
Que só existo no mar.



Zila Mamede
Sou mais versão do que fato,
bem mais talvez que decerto;
indecifrável retrato,
num álbum jamais aberto.
Nunca fui Sol, só deserto.
Só fui supérfluo e aparato.
Trago um discurso barato
onde me finjo liberto.
Solenemente abstrato,
sou bem mais longe que perto.


Antoniel Campos
Estilhaços

Rasguei o passado, rompi os tratados
Icei âncora e naveguei em outros mares

Nunca antes navegados

Rasguei os diários, os relatos
Destruí os sonetos
Lancei por terra papéis, porta-retratos
Projetos, sonhos mal feitos

Atirei pela janela as contas
As malas já prontas
Os manuais de instrução
Quebrei o interfone, o portão
As boas intenções
Queimei o livro dos sermões, os cordéis
Estilhacei cartas, papéis
Destruí minhas alianças, meus anéis

Investi contra moinhos, mapeei
novos caminhos
Da lei, fiz só rascunhos
Destruí com os meus punhos
Meus totens tão mesquinhos

Amassei os versos, parti espelhos
Engoli os verbos, fiquei de joelhos
Abri mapas, fechei portas
Escrevi torto por linhas tortas

Por você...




Cefas Carvalho
MADRIGAL PARA MERCEDES GARCÍA



Cuando todos los cristales de tu casa de sueños
se hayan roto



Cuando todas las puertas de mi casa de sombras
se hayan cerrado



Espérame
Yo iré a buscarte sin máscaras
debajo de la noche



Tú abrirás las puertas de mi casa de sombras
Yo restauraré los cristales de tu casa de sueños






Miguel Bernet
Nocturno



Alguien llora
mientras escribo este poema
No es el rumor del água
ni el viento entre las hojas



una rama en el rio a la deriva
y el poema pregunta y pregunta
la dulce lámpara encendida



pero sé de la luz que se apaga
Alguien llora
y nada deja de suceder
una rama en el río a la deriva




MARTA BRAIER
En llamas




Sueño con cierto pudor
tomo siempre el mismo atajo
la misma calle oscura



Él venía en bicicleta
conversábamos



Hay un caballo muerto
detrás de la ventana
y un pianista
que no deja de tocar



Uno esgrime razones
tristes redes



El pianista insiste en su melodía
y no deja de tocar furiosamente
no deja de tocar



Antes era fácil creer
Él venía en bicicleta
conversábamos




MARTA BRAIER

quarta-feira, 23 de julho de 2008

domingo, 20 de julho de 2008

Menina Selvagem



Meu arrebol,
Em uma tarde bela
Encontrei tua alma louca,
Ao entardecer do Potengi.




Suave canto de flauta
É escutar tua boca
Dizendo meu poeta.



Menina selvagem
Encanta-me ver tua liberdade
De bicho solto.



Pergunta-me se te quero,
E te direi sempre,
Delirando ainda espero.







Ronne Grey
Elite Lixo


Insônia de versos sonolentos,
Onde sussurros são gritos,
Nessa noite de tantas horas,
Que se misturam pensamentos e versos.


Procuro palavras que
Queiram ser livres
De tempo e espaço...
O silêncio rima.


Os sábios são humildes!
Gritei esperando resposta,
Nem eco nessa noite se ouviu,
Nem vira latas vagueiam...


Elite lixo,
Não suporto tuas vaidades.




Ronne Grey
Suspirei


Escapastes entre meus dedos,
Mas não queria prendê-la.



O vinho tirou meu disfarce,
Não consegui permanecer contido.



Aos meus olhos estavas
Despida.
Palavras eram gotas,
O silêncio.
Um rio corrente de veneração.


Escapastes entre meus olhos,
Mas não queria cegá-la,
Partistes e apenas suspirei.






Ronne Grey
História Mal Contada


Faltam-me canetas que não falhem,
Poetas que não se calem.



Onde esconderam os revolucionários?
Não acredito nessa história de heróis maquiados,
Meus ancestrais foram massacrados.



Pai ensina-me a ser índio,
Não acreditei na mentira,
Chamaram-me de louco.
Em que século surgirá um novo lampião?



Carlos Prestes no verso que resta,
Esqueceram de zumbi.
Pai debaixo de que tapete esconderam os índios?
Faltaram com a verdade.
Sou poeta e não fingidor...







Ronne Grey
Verbo Abandonado


No meu verso só a tristeza
É infinita.


O que brilha são lágrimas,
O que rima é melancolia.


Falta vida,
Ausente alegria,
Falta amor na minha poesia.


No meu verso não há beleza,
Só uma tristeza,
Uma tristeza infinita.









Ronne Grey
Veneração Erudita



Só tu podes me aquecer,
Pois tu és infinita
Como a vida da lua.



Tua alma é como o orvalho...
Sinto-me solto e ébrio
Pelo vinho de teus lábios.



És louca desvairada...
És bela e infinita como a primavera
Que a todos encanta.



És minha amada,
Pois tua vida é erudita
E louca como a lua.













Ronne Grey
O Quereres

Onde queres família, sou maluco;
E onde queres romântico, burguês!
Onde queres leblon, sou pernambuco;
E onde queres eunuco, garanhão!
E onde queres o sim e o não, talvez;
Onde vês, eu não vislumbro razão!
Onde queres o lobo, eu sou o irmão;
E onde queres cowboy, eu sou chinês!
Ah, bruta flor do querer...
Ah, bruta flor, bruta flor!
Onde queres o livre, decassílabo;
E onde buscas o anjo, eu sou mulher!
Onde queres prazer, sou o que dói;
E onde queres tortura, mansidão!
Onde queres o lar, revolução;
E onde queres bandido, eu sou o herói!
Eu queria querer-te amar o amor,
Construírmos dulcíssima prisão;
E encontrar a mais justa adequação:
Tudo métrica e rima e nunca dor!
Mas a vida é real e é de viés,
E vê só que cilada o amor me armou:
Eu te quero e não me queres como sou;
Não te quero e não me queres como és...
Ah, bruta flor do querer...
Ah, bruta flor, bruta flor!
E onde queres romance, rock'n roll!
Onde queres a lua, eu sou o sol;
Onde a pura-natura, o inseticídeo!
E onde queres mistério, eu sou a luz;
Onde queres um canto, o mundo inteiro!
O quereres e o estares sempre a fim,
Do que em mim é em ti tão desigual...
Faz-me querer-te bem;
Querer-te mal:
Bem a ti, mal ao quereres assim:
Infinitivamente impessoal;
E eu querendo querer-te sem ter fim!
E querendo-te,
Aprender o total...
Do querer que há;
E do que não há em mim!





(Caetano Veloso)

sábado, 19 de julho de 2008

Vinhos Envenenados




Indomável devaneio
Sentir teu cheiro ébrio.



Minha mente delira
Ao venerar tua pele branca
E desnuda em meu leito erudito.




Vinhos envenenados
Sorriso proibido com olhos
Dilatados e sedentos.




Calado, devoro teu fruto com peles
E pelos ardentes e molhados.












Ronne Grey
Minha louca varrida



És nuvem, incenso, vinho tinto,
Natureza, Metáfora,
Simetria da loucura,
Brisa que acaricia meus cabelos.


Minha alegria, minha poesia,
Varrida louca, louca varrida
Pelo espaço da minha vida.


Encante não desencante,
Avises antes o desencanto,
Pois pela floresta eu canto,
Mar nos meus pés, flauta grita
No teu silêncio.




Ronne Grey
Artificialmente Amado




As flores são perfumadas,
Ingênuas como criança dormindo,
Porém tu és fria como o metal
E fria como a neve.


Minha flor, tu és artificial,
De plástico, sem cheiro e sem sabor,
Verdadeiramente és mentirosa.


Não tens raiz, mas reguei quando
Te perdi, pedindo um cativo,
Porém fiquei cativo.


Agressivo, fiquei ao saber que
És artificial mesmo regando
O que tenho de mais natural,
O mar que revigora e capacita.




Ronne Grey
Scioli lanzó un programa "La Provincia en Estado Público de Lectura"




"Capital Federal- El gobernador Daniel Scioli encabezó este mediodía la presentación del programa "La Provincia en Estado Público de Lectura", que propone recuperar la lectura como un derecho y una práctica cultural en todo el territorio provincial.

El plan cuenta con el apoyo de Joaquin Lavado, conocido popularmente como “Quino”, quien autorizó el uso de su personaje Mafalda en la difusión y los materiales de lectura que se distribuyen en el proyecto.
Además, la iniciativa fue acompañada por escritores, autoridades de la Cámara del Libro, la Cámara de Publicaciones, la Fundación del Libro, Argentores, representantes de la cultura, autoridades provinciales e intendentes municipales.
Scioli indicó que impulsar la lectura “es promover la paz, el diálogo, el consenso, enseñarnos a ser mas pluralistas y recuperar nuestras mejores tradiciones”.
“Estoy profundamente convencido de la extraordinaria influencia positiva que la cultura puede brindar en toda esta recuperación social, económica, inclusión e integración por la cual estamos trabajando en la provincia de Buenos Aires”, aseguró.
También abogó por volver a motivar a los padres y los abuelos “a involucrarse en esa actitud que expresaba tanta ternura, cuando ellos nos leían los cuentos” y convocó a los docentes “porque está demostrado que fallar en la lectura temprana es una carga que se arrastra toda la vida”.
El gobernador sostuvo que uno de los ejes centrales de su gestión “es orientar las fuerzas productivas de las industrias culturales de la Provincia; pero fundamentalmente los valores. Por eso quiero agradecer al genial Quino y a su entrañable Mafalda por promover los valores que son los que tenemos que inculcar a nuestros chicos”.
El dibujante Quino, a través de una carta que hizo llegar desde el exterior, agradeció al Gobierno de Buenos Aires “por haberme convocado a este programa que es fundamental para incentivar la lectura que nos hace pensar, entender e imaginar y nos permite crecer”.
Durante el acto leyeron fragmentos de poesías, Leonor Benedetto, quien recitó a Alfonsina Storni; Víctor Laplace, a Fausto, de Estanislao del Campo; Olga Ladigna, a Juan Ramón Jiménez; Natalia Cohen, a Alejandra Pizarnik y Tom Lupo, a José Hernández.
Al presentar el Programa, el presidente del Instituto Cultural de la provincia de Buenos Aires, Juan Carlos D’Amico, sostuvo que “toda la sociedad en su conjunto debe ejercer el derecho a leer ya que la lectura es un conocimiento necesario para un mejor desarrollo social y cultural de todos los ciudadanos”.
D’Amico adelantó que el próximo 18 de octubre se realizará la Fiesta Provincial de la Lectura, “para se lea en todos los lugares que sea posible: en las plazas, las escuelas, las comisarías y así declarar el estado público de lectura en la Provincia”.
El periodista y escritor, Alejandro Dolina, quien disertó durante la presentación del programa, sostuvo que el Estado debe promover la cultura en el sentido “clásico” y no en el “antropológico” “que sea aquella que despierta la inteligencia, no la que adormece ni la que nos pone cómodos, sino la que nos pone incómodos”.
¿Para que sirve promover la lectura, se preguntará un alumno de los últimos bancos, que es aquel a donde hay que dirigir todas las campañas? dijo Dolina. “Creo que además de fomentar la inteligencia, hay que decirles a los alumnos que no sólo los estamos impulsando hacia la decencia, la probidad, hay que decirles que con la lectura también los estamos acorralando en el placer”.
Pacho O’Donell, por su parte, señaló que lo que se está haciendo en cultura en la Provincia es “mucho y muy bueno”, destacando que “la Provincia está inaugurando un Centro Cultural por semana, sobre todo en el conurbano en las barriadas más humildes”.
Previo al acto el presidente del Instituto Cultural, Juan Carlos D’Amico, mantuvo una reunión con los secretarios de Cultura de los 134 municipios en una jornada de intercambio, información y entrega de materiales para llevar a cabo en cada localidad, las actividades propuestas por el programa.
Participaron del acto, además del presidente del Instituto Cultural, Juan Carlos D’Amico y el historiador y escritor Mario O’ Donell, el jefe de Gabinete y Gobierno, Alberto Pérez; el Director General de Cultura y Educación, Mario Oporto: el ministro de Salud, Claudio Zin y el presidente de la Federación Argentina de Municipios, Julio Pereyra."

terça-feira, 15 de julho de 2008

O pior do Brasil é o brasileiro


Cefas Carvalho

Toda vez que quero me convencer que o Brasil tem salvação e que podemos chegar a patamares razoáveis de cidadania e sendo coletivo sou brindado com a realidade concreta e o como diria John Lennon, o sonho acaba. Não estou sequer falando de tragédias como a morte do menino João Hélio, no Rio de Janeiro, pavorosa por si só e capaz de gerar uma espécie de indignação coletiva que pode ocasionar mudanças. O problema é que não dá para mudarmos no macro, se não mudarmos no micro. Um país com cidadania, respeito, se constrói da junção entre a capacidade e o bom senso do poder público e do senso de coletividade da população. Tenho centenas de queixas quanto ao primeiro item, e poderia gastar laudas e mais laudas criticando Lula, Wilma de Faria e Carlos Eduardo. Mas, sejamos francos, se a população não tiver o mínimo respeito à coletividade, de nada adianta que os administradores públicos beiram a perfeição. Este tipo de raciocínio me vem a tona toda vez que participo de festas e eventos populares realizados em área aberta, em especial àqueles promovidos no Centro de Natal e na Praia do Meio. Nada contra os eventos em si. O problema é quanto ao uso dos banheiros químicos, aqueles boxes azuis portáteis instalados em lugares estratégicos. É certo que eles não são o máximo do conforto, mas certamente consistem em um benefício para a população, pois que evita constrangimentos. Mas, devo dizer que em Natal jamais entrei em um banheiro químico em condições normais de uso. Não que eles venham com defeito de fábrica. O problema está justamente nos seus usuários. Com meia hora instalados, boa parte dos banheiros químicos, principalmente os masculinos, já não tem condições de uso. A criatividade dos vândalos não tem limites. Arrancar a fechadura dos banheiros é um clichê, quase uma regra. Outros preferem ignorar o vaso sanitário e urinar no chão e nas paredes do banheiro. Há quem faça coisa pior no chão a nas paredes... Já flagrei uma camisa cuidadosamente enrolada e jogada dentro do vaso, o que impedia o uso normal do mesmo. Um amigo meu garantiu que encontrou um par de chinelos dentro de um vaso sanitário. No recente carnaval multicultural do centro, um banheiro químico não tinha mais assento (o que leva alguém a arrancar o assento sanitário de um banheiro público em pleno carnaval?...). Embora me considere um cidadão pacato e respeitador da lei e da ordem consigo até entender ideologicamente a desordem enquanto ideologia, nos moldes do anarquismo ou de Jim Morisson. Mas, é difícil entender um cidadão que vai pular um carnaval e espalha sua própria merda nas paredes de um banheiro químico instalado para ele, para sua namorada (se é que este tipo de gente a tem) e sua família. Definitivamente, enquanto este tipo de comportamento, mais que anti-social, mais que vândalo, prioritariamente auto-prejudicial, existir no Brasil, o país não caminhará para a frente. Que o leitor desculpe o exagero da comparação, mas, que entenda o princípio do raciocínio: o desrespeito do cidadão que joga uma camisa no vaso sanitário para com o próximo, é o mesmo desrespeito que os marginais cariocas tiveram com o menino João Hélio. O efeito pode ser diferente, mas a cultura do descaso com o coletivo é a mesma. E é perigosa. Confesso que tenho medo de quem danifica banheiros químicos. Sabe-se lá o que este cidadão (?) pode fazer do futuro. Talvez danificar carros, agências bancárias, casas, vidas humanas. Cascudo que me perdoe, mas penso que o pior do Brasil é mesmo o brasileiro.

sábado, 12 de julho de 2008

Resíduos




Estigma na pele
Louca cabeça
Delira estigma.



Olvida resíduo,
Mas recorda no
Aroma da melodia
A lágrima.



Essa lama que parece
Dor exala dentro do esgoto
Da memória lama.



Um pranto engolido
Pelo orgulho.
Rosas sangram,
Pedras não.












Ronne Grey
Cabra de Peia



Aqui onde você levou bala
Vê se você se cala
Caboclo tem medo não.



No meio da praça
Tem uma mandala
E tua raça tem asa,
Tem unha e garra de gavião...



Mas, a tua vida é tão macabra
Da peia você é o cabra,
A luz da meia-noite
Trevas e escuridão...







Antônio Júnior
Temporal


Como ter mais tempo
Quando todo tempo que há
Já é todo tempo que tenho?


Como ganhar mais tempo
Se todo tempo que já ganhei
Foi perdendo todo esse tempo?


Como criar mais tempo
Se todo tempo já foi criado
E nesse tempo todo fui também?


Como querer mais tempo
Quando todo tempo querido
É todo tempo que já vivi?







Tiago Mesquita
Quem Vou Eu


Dos sabores que sinto
Nenhum vale mais que o passageiro
Este eu quero inteiro
Pois metade é perder a viagem


Satisfação é estar completo
Sem pôr nem tirar


Cada passar tem um sabor
Contanto que esteja livre


Eu passeio no ir e vir
Contente de apreciar












Tiago Mesquita
Deus Nos Dê Fígado


A etilicidade ferve
A insanidade espanca
O arrependimento cede
O desequilíbrio manca



A perna pede licença
A voz perde o compasso
O dorso ganha demência
O corpo implora espaço



A voracidade aumenta
A consciência reduz
O critério lamenta
O inevitável seduz



A cabeça diz atenção
A boca quer devaneio
O gole sente aflição
O copo vira recreio








Tiago Mesquita
CÁ PRA NÓS


Por que me chamou então
Se não era isso que queria
Minha porta em seu chão
É cada jeito de escapar


Mas pára e olha
Se tem certeza do que diz
Se não está faltando nada
Deixa as dúvidas pra lá
Aceita esta condição



Tem que a mão abrir também
De tantas e tantas formas
E quantas e muitas vezes



Porque apesar de me chamar
Existem outras vontades
Não sou eu quem vai mostrar
Você só enxerga o que quer
Já faz um sempre que é assim










Tiago Mesquita
Samsara


Agora que estamos perto
Descansando no mesmo chão
Percebo as diferenças
Que nos fazem combinar



Um salto de lugar
Uma vírgula abandonada
Um trecho sem sentido
Uma falha na memória



Somos próximos por sermos
A velha história de começar












Tiago Mesquita

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Ai as almas dos poetas
Não as entende ninguém;
São almas de violetas
Que são poetas também.

Andam perdidas na vida,
Como as estrelas no ar;
Sentem o vento gemer
Ouvem as rosas chorar!

Só quem embala no peito
Dores amargas e secretas
É que em noites de luar
Pode entender os poetas.

E eu que arrasto amarguras
Que nunca arrastou ninguém
Tenho alma pra sentir
A dos poetas também!

Florbela Espanca
Eu


Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada… a dolorida…

Sombra de névoa ténue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!…

Sou aquela que passa e ninguém vê…
Sou a que chamam triste sem o ser…
Sou a que chora sem saber porquê…

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!

Florbela Espanca - Livro de Mágoas
¿QUÉ DIRÁS ESTA NOCHE, POBRE ALMA SOLITARIA

¿Qué dirás esta noche pobre alma solitaria,
Qué dirás, corazón, marchito hace tan poco,
A la muy bella, a la muy buena, a la amadísima,
Bajo cuya mirada floreciste de nuevo?

El orgullo emplearemos en cantar sus loores;
Nada iguala al encanto que hay en su autoridad;
Su carne espiritual tiene un perfume angélico,
Y nos visten con ropas purísimas sus ojos.

En medio de la noche y de la soledad,
O a través de las calles, del gentío rodeado,
Danza como una antorcha su fantasma en el aire.

A veces habla y dice: «Yo soy bella y ordeno
Que por amor a mí no améis sino lo Bello;
Soy el Ángel guardián, la Musa y la Madona.


Charles Baudelaire
1964


Ya no es mágico el mundo. Te han dejado.
Ya no compartirás la clara luna
ni los lentos jardines: Ya no hay una
luna que no sea espejo del pasado,

cristal de soledad, sol de agonías.
Adiós las mutuas manos y las sienes
que acercaba el amor. Hoy sólo tienes
la fiel memoria y los desiertos días.

Nadie pierde ( repites vanamente )
sino lo que no tiene y no ha tenido
nunca, pero no basta ser valiente

para aprender el arte del olvido.
Un símbolo, una rosa, te desgarra
y te puede matar una guitarra.


Ya no seré feliz. Tal vez no importa.
Hay tantas otras cosas en el mundo;
un instante cualquiera es más profundo
y diverso que el mar. La vida es corta

y aunque las horas son tan largas, una
oscura maravilla nos acecha,
la muerte, ese otro mar, esa otra flecha
que nos libra del sol y de la luna

y del amor. La dicha que me diste
y me quitaste debe ser borrada;
lo que era todo tiene que ser nada.

Sólo me queda el goce de estar triste,
esa vana costumbre que me inclina
al Sur, a cierta puerta, a cierta esquina.





Jorge luis Borges
ABRAZA LA OSCURIDAD

La confusión es el dios
la locura es el dios

la paz permanente de la vida
es la paz permanente de la muerte.

La agonía puede matar
o puede sustentar la vida
pero la paz es siempre horrible
la paz es la peor cosa
caminando
hablando
sonriendo
pareciendo ser.

no olvides las aceras,
las putas,
la traición,
el gusano en la manzana,
los bares, las cárceles
los suicidios de los amantes.

aquí en Estados Unidos
hemos asesinado a un presidente y a su hermano,
otro presidente ha tenido que dejar el cargo.

La gente que cree en la política
es como la gente que cree en dios:
sorben aire con pajitas
torcidas

no hay dios
no hay política
no hay paz
no hay amor
no hay control
no hay planes

mantente alejado de dios
permanece angustiado

deslízate.



Charles Bucowski
EN LA NIEBLA

¡Qué extraño es vagar en la niebla!
En soledad piedras y sotos.
No ve el árbol los otros árboles.
Cada uno está solo.

Lleno estaba el mundo de amigos
cuando aún mi cielo era hermoso.
Al caer ahora la niebla
los ha borrado a todos.

¡Qué extraño es vagar en la niebla!
Ningún hombre conoce al otro.
Vida y soledad se confunden.
Cada uno está solo.



Hermann Hesse
"...Tú me entregabas lo desconocido...
A qué bosques, a qué palacios altos
me llevabas cuando nos encontrábamos..."
CUMBRE

Firme, bajo mi pie, cierta y segura,
de piedra y música te tengo;
no como entonces, cuando a cada instante
te levantabas de mi sueño.

Ahora puedo tocar tus lomas tiernas,
el verde fresco de tus aguas.
Ahora estamos, de nuevo, frente a frente
como dos viejos camaradas.

Nueva canción con nuevos instrumentos.
Cantas, me duermes y me acunas.
Haces eternidad de mi pasado.
Y luego el tiempo se desnuda.

¡Cantarte, abrir la cárcel donde espera
tanta pasión acumulada!
Y ver perderse nuestra antigua imagen
arrebatada por el agua.

Firme, bajo mi pie, cierta y segura,
de piedra y música te tengo.
Señor, Señor, Señor: todo lo mismo.
Pero, ¿qué has hecho de mi tiempo?



José Hierro
ALMA AUSENTE

No te conoce el toro ni la higuera,
ni caballos ni hormigas de tu casa.
No te conoce el niño ni la tarde
porque te has muerto para siempre.

No te conoce el lomo de la piedra,
ni el raso negro donde te destrozas.
No te conoce tu recuerdo mudo
porque te has muerto para siempre.

El otoño vendrá con caracolas,
uva de niebla y montes agrupados,
pero nadie querrá mirar tus ojos
porque te has muerto para siempre.

Porque te has muerto para siempre,
como todos los muertos de la Tierra,
como todos los muertos que se olvidan
en un montón de perros apagados.

No te conoce nadie. No. Pero yo te canto.
Yo canto para luego tu perfil y tu gracia.
La madurez insigne de tu conocimiento.
Tu apetencia de muerte y el gusto de su boca.
La tristeza que tuvo tu valiente alegría.

Tardará mucho tiempo en nacer, si es que nace,
un andaluz tan claro, tan rico de aventura.
Yo canto su elegancia con palabras que gimen
y recuerdo una brisa triste por los olivos.




Frederico Garcia Lorca
A LA NOCHE

Noche fabricadora de embelecos,
loca, imaginativa, quimerista,
que muestras al que en ti su bien conquista,
los montes llanos y los mares secos;

habitadora de cerebros huecos,
mecánica, filósofa, alquimista,
encubridora vil, lince sin vista,
espantadiza de tus mismos ecos;

la sombra, el miedo, el mal se te atribuya,
solícita, poeta, enferma, fría,
manos del bravo y pies del fugitivo.

Que vele o duerma, media vida es tuya;
si velo, te lo pago con el día,
y si duermo, no siento lo que vivo.



Frederico Garcia Lorca
...La poesía es como el viento,
o como el fuego, o como el mar.
Hace vibrar árboles, ropas,
abrasa espigas, hojas secas,
acuna en su oleaje
los objetos que duermen en la playa..."

José Hierro
(España, 1922 - 2002)
Federico Garcia Lorca, nasceu em Fuentevaqueros (Granada) em 5 de junho de 1898 e morreu assassinado em Viznar (Granada), uma das primeiras vítimas da Guerra Civil Espanhola, em 19 de agosto de 1936. Foi dotado de uma personalidade extraordinariamente voltada para a arte. Além de ser um grande poeta, teve também alguns pendores musicais, tendo feito, ainda, alguns desenhos. É Garcia Lorca, com certeza, o poeta espanhol mais conhecido universalmente, só perdendo para Cervantes no número de edições e traduções de suas obras.

Garcia Lorca iniciou os seus estudos de direito, filosofia e letras, em 1914, na Universidade de Granada, transferindo-se em 1919 para Madrid, onde conheceu pessoas como o cineasta Luis Buñuel. Em Madrid nascem suas primeiras obras literárias, o "Libro de Poemas" e sua primeira obra teatral "Mariana Pineda". É também nesse período que se aproxima do grande mestre do surrealismo, Salvador Dali.

Em 1928 Garcia Lorca publica o "Romancero Gitano", composto por dezoito poemas no qual se encontram os motivos andaluzes da sua origem.

Depois dos seus estudos na Espanha, vai para os Estados Unidos, como estudante da Universidade de Columbia, em Nova Iorque, onde também profere conferências. A seguir vai até Cuba. É dessa época as suas obras, reunidas no livro "Poeta en Nueva Iork", no qual se percebem técnicas surrealistas, provenientes de imagens alucinantes que expressavam o desdém de Lorca com o tipo de civilização moderna dos Estados Unidos daquela época, desumanizadora e promotora de injustiças sociais.

Ao voltar à Espanha, Lorca cria o teatro universitário ambulante "La Barraca", com o qual faz montagens de peças de autores espanhóis consagrados, como Lope de Veja e Cervantes. A seguir, viaja pela América do Sul, particularmente pela Argentina e Uruguai e faz um grande sucesso em Buenos Aires, em 1933.

A situação vigente na Europa, já nessa época, iria, contudo, fazer de Garcia Lorca uma espécie de símbolo das vítimas dos regimes autoritários de direita e da tirania fascista. Após a eclosão da Guerra Civil Espanhola, Lorca saiu de Madrid para Granada, onde, supostamente, estaria mais protegido. É que Lorca (como sempre são os intelectuais de vanguarda), era um inimigo natural de um regime autoritário. Além disso, numa Espanha católica, as possíveis tendências homossexuais de Lorca também não eram bem vistas. Por essas razões, vítima de uma denúncia anônima, Lorca é preso e assassinado, tendo o seu corpo sido jogado num canto da Sierra Nevada.

O fato de Garcia Lorca ter sido assassinado pelo regime de Franco, fez com que, durante longo tempo, seu trabalho fosse pouco divulgado e até mesmo censurado na Espanha. Por outro lado, tornou-se uma figura simbólica da opressão, o que fez com que vários poetas e escritores viessem a se ocupar de sua figura.

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Meia-noite
Cláudia Magalhães

Meia-noite. Desde que você partiu levando o Sol, é sempre meia-noite. Todos os dias, na beira do abismo, entre a carne e a sombra, como os poetas, os bêbados, os loucos, eu te procuro, amor. Você nunca saiu do meu pensamento... Quantas lágrimas... Quanta dor... Não te peço pra voltar. Hoje, não te quero mais. Quando você partiu, amaldiçoei a minha vida. Em desespero, a solidão arrancou a minha língua, mas não calou os meus gritos. Sem suportar o peso da saudade, essa maldita ferida do amor, o meu coração parou de bater. Parado em minhas veias, o meu sangue, louco, fazendo-se de tinta, escorre pelos meus dedos e reinventa a vida sobre o papel. Nessa batalha contra a morte, busco nas palavras, alguma idéia que acalme o meu medo, quase insuportável, de morrer. E escrevendo eu te reencontro, amor... Brincando de ser Deus, crio um mundo onde você não é capaz de me dar adeus, de ir embora. Nesse mundo de milagres, não existe o certo, nem o errado. Encharcado de sangue, suor, saliva e vida, te faço meu herói. Queimo o teu corpo. Em seguida, mergulho as tuas carnes em minhas águas profundas, até você morrer, ressuscitar e, novamente, me ver chorar... Chorar pelo sexo como faz toda mulher diante do amor...
Não! Não precisa voltar! Hoje, aprendi a te amar... Entre o mundo definido e o indefinido, eu te perco e te reencontro, sob o comando da voz louca do meu cérebro que, sem juízo, entrega-se com violência ao que me resta: escrever, escrever, escrever...

quarta-feira, 9 de julho de 2008

O Maconheiro Militante
CRÔNICA

por Carlos Fialho


Ele chega pra você e diz: “Você sabia que existem medicamentos cicatrizantes feitos de cânhamo?” Inocentemente, você responde que não e mostra-se levemente curioso a respeito do assunto. Pronto. Já basta. Você acaba de cair nas garras de um maconheiro militante e ele passará as próximas horas tentando convencê-lo que o THC é a substância redentora da humanidade, que fumar maconha é a coisa mais legal que alguém pode fazer sobre a face da Terra e que os rumos do planeta estão intimamente ligados à folhinha de cinco pontas.

Se você der corda, ele se sairá com um discurso tão panfletário quanto possível, dizendo mais ou menos o seguinte: “A canabis apresenta propriedades anestésicas e regenerativas bastante atuantes. Os medicamentos cicatrizantes de cânhamo foram desenvolvidos no Egito antigo onde, aliás, a erva era utilizada para produzir de tudo, de papiros a bandagens para múmias. Os cremes e bálsamos feitos da erva foram muito usados por Antônio Conselheiro durante a Guerra de Canudos para tratar dos ferimentos de seus homens. Inclusive, há registros de que o próprio conselheiro era usuário de marijuana. Isso talvez explique o grande senso de justiça do homem. Você sabia?”

Para essas pessoas a erva é a razão principal de sua existência. Tudo o que eles fazem é baseado (com ironia, faz favor.) nesta singela plantinha. Para eles, maconha é religião, é o clube de coração, o partido político, a banda favorita, a tábua de salvação. Só a fumaça salva! Não são da Herbalife, mas se dedicam à Ervalife com o mesmo fervor messiânico. Gostam de reggae, de surfe e do verde que te quero fumo.

Os maconheiros militantes são verdadeiros advogados da marofa. Nunca perdem uma oportunidade de apresentar argumentos comprobatórios definitivos que ilustram a superioridade do THC sobre todos os elementos, constantes ou não na tabela periódica. Sua retórica encontra sustentação em três alicerces básicos:1) O Bombril Natural; 2) Importância História; 3) As legítimas que se fumam.

A teoria do Bombril Natural defende que a maconha tem mil e uma utilidades, sendo a erva mais versátil que jogador coringa, daqueles que batem escanteio e correm pra cabecear. Segundo os partidários, a versatilidade canábica é ilimitada, servindo para produzir roupas, calçados, papel, alimentos, tinturas, medicamentos, biocombustível, brinquedos, material de construção, condutores energéticos, maçanetas de porta, guarda-chuvas, baterias para celular, absorventes íntimos, escafandros e lancheiras do Bob Esponja. O aproveitamento da planta é total. Das sementes se faz tempero, das folhas se produz um delicioso chá para os nervos, do caule se confecciona móveis artesanais muito maneiros, bicho. Sacou? Só! Pode crer!

Não é raro, um militante chegar para afirmar toda a sorte de produtos derivados da erva. São verdadeiros catálogos mentais. E olhe que a memória deles já não é lá essas coisas. “Você sabia que existe sorvete de maconha? Você sabia que existe gravata feita de fibras de canabis? Você sabia que existe papel higiênico de cânhamo? Você sabia que nos países desenvolvidos (para dar um maior peso a sua argumentação e provar que só mesmo num país de terceiro mundo como este para que a droga seja proibida) são receitados baseados no tratamento do glaucoma/câncer/aids/gripe/insônia/falta de apetite?” Procure um maconheiro militante próximo de sua casa e ouça hoje mesmo a sua pergunta clichê “você sabia”.

Outro argumento que ganha força entre os militantes verdes é o da importância histórica da erva. Os fiéis do cânhamo estão convictos da inquestionável participação da maconha em todos os grandes momentos protagonizados pelos homens. Eles afirmam categoricamente que na Grécia, não eram galhos de arruda que ornamentavam as cabeças dos atletas vencedores dos jogos olímpicos. Eram, na verdade, galhos de canabis. A guerra de Secessão estadosunidense não teve nada a ver com algodão. Era tudo por causa das plantações de maconha dos estados do sul.

Eles defendem ainda que as cruzadas medievais também não eram bem como se diz nos nossos livros de história. Os cavaleiros partiram sim em busca do Santo Graal, mas o que todos ignoram é que tal termo era sinônimo para “Camarão Sagrado” numa clara referência à erva bendita. Amém! E aquela fumacinha que sai do Vaticano sempre que a igreja escolhe um novo Papa? Como é que vocês acham que aqueles cardeais todos mantêm a paz de espírito? A Segunda Guerra também não podia ficar de fora. Dizem que ela só terminou depois que alguns pracinhas brasileiros originais de Cabrobró, Pernambuco, levaram certos cigarros misteriosos que impregnaram a Europa com uma repentina cortina de fumaça e uma irrefreável sensação de bem-estar, além de um sono danado. Daí, todos acharam melhor promover a paz de uma vez por todas, pois guerrear dava um trabalho danado.

Ou seja, para os maconheiros militantes, o papel da erva na história humana é muito maior do que se pensa e sua relevância deveria ser mais destacada nos livros escolares. Principalmente se a página for impressa naquele papel fininho, quase um guardanapo de lanchonete que tem muito mais a ver com o contexto. O resto é estória.

O terceiro grande sustentáculo dos discursos politizados proclamados pelos maconheiros militantes é o das “legítimas que se fumam”. É que eles acham que a maconha é como as sandálias Havaianas: todo mundo usa! Basta algum nome ilustre surgir na pauta de alguma conversa para eles afirmarem cheios de orgulho que o referido era um “zé fumaça” de marca maior. Não escapa ninguém. De Shakespearre a Machado de Assis, passando por todos os líderes políticos mundiais, estadistas históricos, figuras religiosas, cosmonautas russos, grandes atores, atrizes, músicos e que tais.

“Bill Clinton? Fumou e aposto que tragou! Marylin Monroe? Comia com farinha! Gandhi? De onde você acha que ele tirou essa história de resistência pacífica? O Salsicha do Scooby Doo? Fala sério! Já fumei um com ele!” Segundo a teoria das “Legítimas que se fumam”, todo mundo que alcançou algum grau de projeção ou que apareceu na mídia de forma positiva é usuário de maconha. É exatamente como o slogan das Havaianas. E a maconha, assim como as sandálias, também não estica nem solta as tiras. Já quanto à questão do cheiro, eles não podem se gabar muito.

Os maconheiros militantes são dedicados, engajados e incansáveis em sua luta por um maior reconhecimento da erva pela sociedade careta e conservadora, dominada por pensamentos retrógrados e arcaicos. “Uma sociedade chapada é possível.”, dizem os ideólogos do movimento, sonhando com um mundo melhor onde todos se amem, se respeitem e não fiquem segurando o chara tempo demais nas rodinhas de baseado. Mas não é a sociedade a maior opositora política dos partidários da canabis. Essa até que tem engolido alguns metros cúbicos de fumaça com menos relutância ultimamente. O problema é a ferrenha oposição do chamado Comando Delta, um inimigo invisível, uma mega-corporação formado por políticos, exército, Polícia Federal, Polícia Militar, Polícia Civil, Polícia Municipal, Polícia dos condomínios, seguranças de shopping, as mães dos usuários, a máfia chinesa e a Igreja Universal que se utiliza de todas as forças disponíveis para impedir o triunfo dos heróis da erva.

Mas nada os impedirá de prosseguir em sua pregação, seus discursos inflamados, sua paixão indomável, sua militância maconheira. Suas idéias se espalharão como fumaça e nenhuma estratégia nefasta da oposição, nenhuma manobra covarde e traiçoeira será capaz de arrefecer o ímpeto dos apaixonados militantes. Ninguém será capaz de cortar esse barato. Caso tentem, serão surpreendidos por uma bem articulada retórica, além de um discurso muitíssimas vezes ensaiado. Essa é a tônica. Esse é o sentimento. E eles vão à luta!

Mas só amanhã, porque hoje vai rolar uma “sessão” do bom lá no comitê do partido.
Desaniversário



Dilato meu pensar,
Como quem rouba
Palavras da noite...


Procuro interpretar
O som das árvores
Nessa noite de grilo solitário.


Folhas se movem
E observam-me,
Como quem pergunta:
O que resta nesta vida?


Quem sabe um cálice
De vinho em lábios estranhos.







Ronne Grey
Fuzilo




Eu fuzilo corações, beijos e perdões
Fuzilo o chão mal posto
Fuzilo quem inadvertidamente me persegue
Fuzilo o sol que me bronzeia
Fuzilo a hóstia da igreja que
Implacavelmente promove forró e
Cachaça
Fuzilo cabeças
Fuzilo a mim mesmo, também
Quando inadvertidamente me correspondo
Com vibrações antagônicas, arruinando o
Meu coração já tão roto
Fuzilo, também, feiras, sextas e prenúncios de verões
Fuzilo quem me apunhala pela frente
Fuzilo vizinho, parentes e incógnitas
Fuzilo espelhos
Fuzilo o dia, a hora e os segundos da minha
Vida largada
Largada feito um fuzil
Enferrujado
Fuzilo também avenidas desertas
Fuzilo padres, advogados e dentistas
Fuzilo jornais, chocolates e serpentes
Fuzilo o chão indócil que me abriga
Fuzilo anzóis, anéis e a cartomante que me benzeu
Fuzilo o til, tremas e pretéritos ácidos
Corroendo como ônibus de fim de linha.




Carlos Gurgel

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Cavaleiro andante


Cefas Carvalho







Sou um cavaleiro andante. Por Deus que, com minha arma e meu escudo, honrarei o brasão de minha família e não perecerei nas mãos destes malditos que me perseguem! Se me escondo neste aposento escuro deste castelo amaldiçoado é porque os infiéis são em grande número e preciso permanecer vivo para defender meu rei e meu castelo. Os malditos querem me capturar e me submeter a incontáveis torturas. Ouço ruídos e percebo que os vilões estão atrás de mim. Preciso fugir deste calabouço e partir para minhas nobres epopéias, matando dragões e salvando donzelas. Sou um cavaleiro andante, repito, e com minha armadura e minhas armas, levo a justiça até os confins do Reino, com a benção do meu rei, imperador destas terras, e de Deus Nosso Senhor. Empunho minha espada sagrada e aguardo os ímpios adentrarem o aposento. Gritos de guerra e urros quase bestiais. Percebo que a legião de feiticeiros, todos de branco, começa a me cercar. Dois dos mandriões carregam consigo um pano mágico, com o qual querem me aprisionar. Outro feiticeiro tem entre os dedos a agulha do demônio... Não se aproximem de mim, seres infernais, afastem-se de um cavaleiro ungido pelo rei, larguem-me cães do inferno...

- João, onde coloco essa vassoura?
- Lá no almoxarifado. Rapaz, hoje o homem estava brabo. Ele segurava a vassoura como se fosse uma espada...
- Esse aí está cada vez mais doido. Trabalhar em hospício é assim mesmo, meu caro...
- Mas com a injeção que tomou, vai dormir até amanhã. Ei, hoje tem jogo lá no caminho do bairro?
- Rapaz, acho que sim. Bater uma bola é bom depois de um dia desses. E o cara gritando que ia salvar princesas, hein?...

domingo, 6 de julho de 2008

Codinome Beija-flor



"Pra que mentir
Fingir que perdoou
Tentar ficar amigos sem rancor
A emoção acabou
Que coincidência é o amor
A nossa música nunca mais tocou...

Pra que usar de tanta educação
Pra destilar terceiras intenções
Desperdiçando o meu mel
Devagarzinho, flor em flor
Entre os meus inimigos, beija-flor

Eu protegi o teu nome por amor
Em um codinome, Beija-flor
Não responda nunca, meu amor
Pra qualquer um na rua, Beija-flor

Que só eu que podia
Dentro da tua orelha fria
Dizer segredos de liquidificador

Você sonhava acordada
Um jeito de não sentir dor
Prendia o choro e aguava o bom do amor
Prendia o choro e aguava o bom do amor"





(Cazuza)
parem
eu confesso
sou poeta

cada manhã que nasce
me nasce
uma rosa na face

parem
eu confesso
sou poeta

só meu amor é meu deus

eu sou o seu profeta



Paulo Leminski
Cinco bares,
dez conhaques
atravesso são paulo
dormindo dentro de um táxi


Paulo Leminski
um homem com uma dor
é muito mais elegante
caminha assim de lado
como se chegasse atrasado
andasse mais adiante

carrega o peso da dor
como se portasse medalhas
uma coroa um milhão de dólares
ou coisa que os valha

ópios édens analgésicos
não me toquem nessa dor
ela é tudo que me sobra
sofrer, vai ser minha última obra

Paulo Leminski
SONETO DEL VINO



¿En qué reino, en qué siglo, bajo qué silenciosa
Conjunción de los astros, en qué secreto día
Que el mármol no ha salvado, surgió la valerosa
Y singular idea de inventar la alegría?
Con otoños de oro la inventaron. El vino
Fluye rojo a lo largo de las generaciones
Como el río del tiempo y en el arduo camino
Nos prodiga su música, su fuego y sus leones.
En la noche del júbilo o en la jornada adversa
Exalta la alegría o mitiga el espanto
Y el ditirambo nuevo que este día le canto
Otrora lo cantaron el árabe y el persa.
Vino, enséñame el arte de ver mi propia historia
Como si ésta ya fuera ceniza en la memoria.




Jorge Luis Borges
VERSOS ÍNTIMOS


Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
"Em 6 de julho de 1912, Augusto e o seu irmão Odilon custeiam a impressão de 1.000 exemplares do EU. O livro causa estranheza nos meios literários da então Capital Federal. Nada há, entretanto, que desperte a curiosidade da crítica para aquele livro que está fadado a ser único, não apenas no sentido de ser o único livro publicado pelo poeta, mas no sentido de sua excentricidade temática; do tratamento de linguagem, pleno de vocábulos e expressões científicas e filosóficas; das muitas rimas ricas que, por si, chamam a atenção para aquele poeta capaz de provocar surpresas a cada verso. Nada leva a acreditar que no exclusivismo daquelas formas, num movimento contrário ao elitíssimo tratamento poético construído por Augusto, esteja contido, para surpresa da crítica, um poeta e uma poesia extremamente populares, cujos versos, a partir da terceira edição, de 1928, não apenas passam a ser decorados, recitados e também cantados pela boca do povo. Augusto dos Anjos não viverá o suficiente para testemunhar a popularidade de sua lírica.

Em 22 de julho de 1914, muda-se pela última vez com a família. Em Leopoldina, aluga, finalmente, uma casa. A pequena cidade mineira é ainda mais provinciana do que a Paraíba que abandonara. Ali, ao menos, o poeta do antigo Pau d’Arco pode descansar da estafante lida. Ali, ao menos, pode cuidar da família no remanso da vida besta que passa lentamente na calçada. Ali morre Augusto dos Anjos antes mesmo de completar seis meses de aparente tranqüilidade.

A notícia do falecimento de Augusto dos Anjos logo corre porta a fora, levada não pela dor da mãe desconsolada, mas pela empregada da casa, Dona Ermíria que, ao perceber as lágrimas que longe estão de se conterem em sua fonte, pergunta à patroa enigmática o motivo de tanto desperdício de humor. Ao saber do acontecido, corre a mulher pela calçada a gritar aos que passam: morreu o magro, morreu Augusto, não sei se de tuberculose ou de susto.

Orris Soares acabava de se sentar, em companhia de amigos, no Pavilhão do Chá, onde funciona uma sorveteria e bar. Ao ouvir a má notícia recusa-se a acreditar; entretanto um ou outro amigo, passante ou cliente, confirma a verdade, havia ido em pessoa saber da veracidade e lá encontrara a mãe do poeta e a carta terrível. Orris pede uma cachaça, à memória de Augusto, brinda. Bebe. Bebe outra e outra, mais para afogar a lembrança do morto do que por vontade. Não há como afogar a reminiscência de quem morreu tão recentemente".
POETA SINGULAR

Augusto dos Anjos
Poeta brasileiro. Famoso pela originalidade temática e vocabular, na fase que antecedeu o modernismo. Eu (1912).
Augusto dos Anjos recorreu a uma infinidade de termos científicos, biológicos e médicos ao escrever seus versos de excelente fatura, nos quais expressa por princípio um pessimismo atroz.
Considerado o mais original dos poetas brasileiros entre Cruz e Sousa e os modernistas, Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos nasceu no Engenho Pau d'Arco PB em 20 de abril de 1884. Aprendeu com o pai, bacharel, as primeiras letras. Fez o curso secundário no Liceu Paraibano, já sendo dado como doentio e nervoso por testemunhos da época. Formado em direito em Recife (1906), casou-se logo depois. Contudo, não advogou; vivia de ensinar português, primeiro em seu estado e a seguir no Rio de Janeiro RJ, para onde se mudou em 1910. Lecionou também geografia na Escola Normal, depois Instituto de Educação, e no Ginásio Nacional, depois Colégio Pedro II, sem conseguir ser efetivado como professor.
Em fins de 1913 mudou-se para Leopoldina MG, onde assumiu a direção do grupo escolar e continuou a dar aulas particulares. Seu único livro, Eu, foi publicado em 1912. Surgido em momento de transição, pouco antes da virada modernista de 1922, é bem representativo do espírito sincrético que prevalecia na época, parnasianismo por alguns aspectos e simbolista por outros. Praticamente ignorado a princípio, quer pelo público, quer pela crítica, esse livro que canta a degenerescência da carne e os limites do humano só alcançou novas edições graças ao empenho de Órris Soares (1884-1964), amigo e biógrafo do autor.
Cético em relação às possibilidades do amor ("Não sou capaz de amar mulher alguma, / Nem há mulher talvez capaz de amar-me), Augusto dos Anjos fez da obsessão com o próprio "eu" o centro do seu pensamento. Não raro, o amor se converte em ódio, as coisas despertam nojo e tudo é egoísmo e angústia em seu livro patético ("Ai! Um urubu pousou na minha sorte").
A vida e suas facetas, para o poeta que aspira à morte e à anulação de sua pessoa, reduzem-se a combinações de elementos químicos, forças obscuras, fatalidades de leis físicas e biológicas, decomposições de moléculas. Tal materialismo, longe de aplacar sua angústia, sedimentou-lhe o amargo pessimismo ("Tome, doutor, essa tesoura e corte / Minha singularíssima pessoa"). Ao asco de volúpia e à inapetência para o prazer contrapõe-se, porém um veemente desejo de conhecer outros mundos, outras plagas, onde a força dos instintos não cerceie os vôos da alma ("Quero, arrancado das prisões carnais, para Viver na luz dos astros imortais").
A métrica rígida, a cadência musical, as aliterações e rimas preciosas dos versos fundiram-se ao esdrúxulo vocabulário extraído da área científica para fazer do “Eu” desde 1919 como” Eu” e outras poesias, um livro que sobrevive, antes de tudo, pelo rigor da forma. Com o tempo, Augusto dos Anjos tornou-se um dos poetas mais lidos do país, sobrevivendo às mutações da cultura e a seus diversos modismos como um fenômeno incomum de aceitação popular. Vitimado pela pneumonia aos trinta anos de idade, morreu em Leopoldina em 12 de novembro de 1914.


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