domingo, 20 de julho de 2008

O Quereres

Onde queres família, sou maluco;
E onde queres romântico, burguês!
Onde queres leblon, sou pernambuco;
E onde queres eunuco, garanhão!
E onde queres o sim e o não, talvez;
Onde vês, eu não vislumbro razão!
Onde queres o lobo, eu sou o irmão;
E onde queres cowboy, eu sou chinês!
Ah, bruta flor do querer...
Ah, bruta flor, bruta flor!
Onde queres o livre, decassílabo;
E onde buscas o anjo, eu sou mulher!
Onde queres prazer, sou o que dói;
E onde queres tortura, mansidão!
Onde queres o lar, revolução;
E onde queres bandido, eu sou o herói!
Eu queria querer-te amar o amor,
Construírmos dulcíssima prisão;
E encontrar a mais justa adequação:
Tudo métrica e rima e nunca dor!
Mas a vida é real e é de viés,
E vê só que cilada o amor me armou:
Eu te quero e não me queres como sou;
Não te quero e não me queres como és...
Ah, bruta flor do querer...
Ah, bruta flor, bruta flor!
E onde queres romance, rock'n roll!
Onde queres a lua, eu sou o sol;
Onde a pura-natura, o inseticídeo!
E onde queres mistério, eu sou a luz;
Onde queres um canto, o mundo inteiro!
O quereres e o estares sempre a fim,
Do que em mim é em ti tão desigual...
Faz-me querer-te bem;
Querer-te mal:
Bem a ti, mal ao quereres assim:
Infinitivamente impessoal;
E eu querendo querer-te sem ter fim!
E querendo-te,
Aprender o total...
Do querer que há;
E do que não há em mim!





(Caetano Veloso)

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