JOSÉ
E agora, José? A festa acabou,
a luz apagou, o povo sumiu,
a noite esfriou, e agora, José?
e agora, Você? Você que é sem nome,
que zomba dos outros, Você que faz versos,
que ama, protesta? e agora, José?
Está sem mulher, está sem discurso,
está sem carinho, já não pode beber,
já não pode fumar, cuspir já não pode,
a noite esfriou, o dia não veio,
o bonde não veio, o riso não veio,
não veio a utopia e tudo acabou
e tudo fugiu e tudo mofou,
e agora, José? E agora, José?
sua doce palavra, seu instante de febre,
sua gula e jejum, sua biblioteca,
sua lavra de ouro, seu terno de vidro,
sua incoerência, seu ódio, - e agora?
Com a chave na mão quer abrir a porta,
não existe porta; quer morrer no mar,
mas o mar secou; quer ir para Minas,
Minas não há mais. José, e agora?
Se você gritasse, se você gemesse,
se você tocasse a valsa vienense,
se você dormisse, se você cansasse,
se você morresse... Mas você não morre,
você é duro, José! Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato, sente agonia,
sem parede nua para se encostar,
sem cavalo preto que fuja do galope,
você marcha, José! José, para onde?
Carlos Drummond de Andrade
sábado, 5 de julho de 2008
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